sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Resenha do texto “O adjetivo” de Ernesto Guerra Cal, texto extraído do livro “Língua e Estilo de Eça de Queiroz”:




A adjetivação e a lírica Queiroziana

O texto é “O adjetivo” de Ernesto Guerra Cal, extraído do livro “Língua e Estilo de Eça de Queiroz” é um texto que aborda um dos elementos primordiais na elaboração do estilo do escritor Eça de Queiroz, “o adjetivo”. De fato, parece residir no adjetivo um dos alicerces sob o qual reside um dos efeitos mais expressivos no que tange a personalidade estilística do autor quando compôs sua obra.
É no processo de adjetivação que a obra ganha cor, tonalidade, expressão e personalidade e é interessante ressaltar como nesse processo, no da escolha da hierarquia das palavras e como elas são empregadas na obra, Eça estabelece uma relação subjetiva entre as coisas e os seus valores que acabam atribuindo uma singularidade à sua obra.
Cada frase trabalhada pelo processo de adjetivação na obra de Eça faz com que a sua função e à sua colocação na frase, tenha uma mutabilidade imensa. Eça aprendeu com os grandes autores franceses, aventurando-se a experimentar cada vez mais no processo de adjetivação. Não só para enriquecer o texto literário, a influência francesa serve também para despertar em Eça de Queiroz, uma necessidade expressiva em desenvolver sua obra por vários caminhos, era uma influência “excitante e provocadora” que amadureceria com o tempo.
Sobre o uso que Eça faz dos adjetivos, de forma literal há de se observar duas vertentes, porém, o texto nos fala que ambas estão praticamente interligadas em sua atuação, são quase que pertencentes a mesma função, que são: a 1ª conceitual e a 2ª musical e rítmica.
Dessa forma, para distinguir as várias formas de variação do adjetivo na obra do escritor Eça de Queiroz, já que seu uso é praticamente impossível de se definir por essa vertente ou aquela, o autor nos apresenta divisões em dez tópicos para destrinchar as principais características no que tange o uso do processo de adjetivação na obra de Eça.
De início é levantada a questão da “Aliança desusada”, onde a obra de Eça pode ser distinguida de toda a literatura Ibéria anterior a ele e à de seu tempo, pela forma de associar nome e adjetivo. Em escritores como Júlio Diniz e Camilo Castelo Branco, por exemplo, a adjetivação é preponderantemente lógica, a adjetivação Queiroziana foge a essa aliança, no sentido de que propõe ao substantivo uniões desacostumadas, com qualificativos que, à primeira vista, não combinam. A pesar do aparente desencontro, o processo é realizado com um intuito altamente estético e psicológico, que acaba por atribuir sentido através da metáfora e acaba provocando uma multiplicidade de interpretações que deixam o texto muito mais rico.
O segundo tema levantado é o do Adjetivo adverbial impressionista: sua ubiqüidade funcional. Neste trecho, o que o autor nos apresenta é que Eça leva o processo de adjetivação aos graus superiores do enriquecimento expressivo, e acaba por ampliar o raio de atuação do adjetivo, que atua não só sobre o sujeito, mas também sobre a ação verbal. O que também é destacado neste ponto, é o fator da hipálage, que dá valor moralizante ao adjetivo, que refere-se ao sujeito, porém qualifica o objeto, recurso típico do Impressionismo Literário.
No tópico A ultilização estética da impropriedade adjetiva. A sinonímia livre como livre como substrato cômico do estilo, quase retoma o assunto da aliança desusada, porém, mais a fundo, Ernesto Guerra nos fala que além das uniões que parecem não ter sentido, o efeito de inadequações de significados é milimetricamente pensado por Eça e consiste em usar o adjetivo impróprio, qualificando o substantivo de forma deficiente ou insuficiente, ao invés de transmitir a idéia exata, o intuito e comunicar um tom indireto ou parcial.
Em O adjetivo como imagem condensada. A materialização do abstrato e a idealização do concreto, o quarto tópico, Ernesto Guerra nos fala da forte propensão de Eça em usar o sentido figurado da linguagem e do seu instinto metafórico. Reafirmando os tópicos anteriores temos novamente uma citação à ruptura com a prosa tradicional, já que a forma como a imagem é colocada e condensada e a forma de adjetivar objetos abstratos e idealizar o concreto, foge, como dito anteriormente à regra clássica e nos remete a um malabarismo verbal com desorientações cheias de encantamento, como diz o próprio Ernesto, o efeito é que o adjetivo dá margem a imaginação do leitor.
O quinto tópico Aparência e realidade. A síntese das percepções mistas e as sensações contraditórias, o autor nos mostra que a escrita de Eça tende a explorar os múltiplos aspectos de percepção da realidade, ou seja, as palavras são agrupadas de acordo com afinidades de sensações, fundindo impressões numa realidade que coexiste, como por exemplo: usar um adjetivo para falar uma coisa, porém querer dizer outra, com ironia ou para mostrar algo que se deseja, porém deixá-lo subentendido. Essa característica marcante de ironia e de tonicidade de texto cômico é parte integrante da personalidade de Eça e volta a ser discutida com mais profundidade no sexto tópico, O subjetivismo adjetivo. Impropério e excesso. O adjetivo como traço deformativo caricatural. Nesse tópico vemos um Eça de Queiroz que escapa da disciplina imposta pleo processo geral da composição e se entrega ao seu instinto deformativo , lírico e cômico da realidade. Ernesto Guerra nos conta que a função do adjetivo foi assim, uma das involuntárias válvulas de escape de Eça para a composição do processo caricatural.
No sétimo tópico, As linhas imprecisas e as orações inconcretas: o adjetivo VAGO, o escritor reforça a idéia de que a densidade da presença dos adjetivos deve ser destacada na obra de Eça e fala da importância que alguns dele tem de diminuir a nitidez do objeto adjetivado para dar um tom indeciso, indeterminado e difuso aos aspectos físicos ou psicológicos das coisas que se aplicam. Essa indecisão e aparente duplicidade é melhor explorada no oitavo tópico, A adjetivação binária. O elemento físico e a impressão moral. As percepções duais. Nesse tópico o autor nos explica que a adjetivação dupla é usada por Eça para caracterizar os objetos e expor as duas faces da realidade: a objetiva e a subjetiva.
Em seguida no nono tópico, A colocação do adjetivo e sua função como elemento musical e rítmico da frase, temos outra referência à inspiração na literatura francesa e dos elementos que Eça de Queiroz dela assimilou. Dessa forma, Eça procurava apoiar no processo de adjetivação, toda a arquitetura musical da frase, tornando o adjetivo um dos pilares fundamentais da oração, trazendo-o para o primeiro plano.
Por fim, para concluir o Texto, Ernesto Guerra encerra com o décimo tópico, Significado geral da adjetivação queroziana, onde o escritor reforça a idéia de que muito da escrita de Eça é parte integrante de seu temperamento, sua visão artística impregnada de literatura européia por um lado e sua maneira profundamente lusitana de sentir, que provocava nele vários conflitos interiores, que como conseqüência tinham conceitos e valores complexos.
O texto de Ernesto Guerra segue de forma clara e objetiva, é possível até apreciar ainda mais a obra de Eça de Queiroz a partir desse processo analítico da adjetivação em sua obra, porém, as citações de termos franceses podem deixar um pouco desentendidos aqueles que não tem contato com a língua, no entanto, é possível fazer a leitura fluir mesmo sem compreender as citações em língua francesa.
Para concluir, o que fica é que todos os processos de adjetivação estudados nesse texto possuem uma característica geral que os liga: um caráter extremamente sugestivo. Eça foge a padronização, as normas literárias estabelecidas e atribuiu ao adjetivo, conjurar aspectos imprevistos ou ocultos no texto, impondo um caráter psicológico e de várias interpretações, mais do que isso, um fator poderoso e excitante na imaginação do leitor.